domingo, 17 de abril de 2011

Pé-de-aço

Um grande robô, meu brinquedo de natal. Nada aconteceu, pedidos feitos em vão. Apenas pedaços: "Só tinha esse resto na loja.", disseram. Uma perna de plástico, do tamanho de uma perna de criança de 5 anos, com um pé de aço que calçava 45. Isso é lixo, disse mamãe, Isso é tudo, disse papai, Isso é um pé-de-aço, disse eu.

Meio criança, meio adulto; meio humano, meio robô; meio amigo, meio inimigo; um pé inteiro, um robô pela metade. Era o meu brinquedo: Esse é o meu pé-de-aço!, exclamei. Pisada forte, firme, bico bom, peso de papel, para muitas coisas meu pé de aço seriam boas - completava em mim.

Vou jogar fora, disse mamãe. É melhor mesmo, disse papai. Escutando de longe a conversa que acontecia na sala, "Chuto quem tentar", pensei eu. Estava armado o conflito, meu pé protegido no quarto, enquanto mamãe na sala, termiando de arrumar, para ir logo lá, e papai assistindo tv, mas sempre alerta: ao menor sinal de conflito surgiria como reforço - do lado inimigo - Temos que sair daqui! Logo! Peguei meu pé-de-aço, corri. No quintal, havia de protegê-lo. Observei a movimentação da casa pelas janelas, via mamãe buscando entre os cômodos a mim e ao meu pé-de-aço. Ouço o meu nome e logo em seguida, cadê você?, em tom ameaçador.

É preciso preparar uma estratégia de defesa, pois mamãe há de chegar, invadindo o quintal com seus reforços. Ela fala alto para papai que está na sala: "Ele está lá fora, vai pegar aquele lixo dele". Olho para o meu companheiro o pé-de-aço. Escondo-me nos entulhos, antes que cheguem. Misturamo-nos entre pedaços de outras coisas em um quartinho nos fundos do quintal: madeiras velhas e estragadas, pedras de cimento, pregos e ferros enferrujados, bichos e besouros.

Está escuro, a noite chegava, e o inimigo não dá mais sinal. Despistamos, pensei. Não há luz no quartinho do quintal, em meio aos entulhos. Meu pé de aço brilha entre o lixo, ali, sem dúvida ele é o rei. Os bichos fazem seus barulhos, e logo as baratas tentam ganhar território. Nunca estaremos livres. Meu pé de aço pisoteia-as. Parece que sempre esteve preparado para isso. Luto insistentemente, quando um inseto entra por baixo da camisa. Tiro-a, e logo meu pé-de-aço, companheiro de batalha, salva minha vida, jogando-se em cima dela, em uma pisada forte!

Se fosse vivo certamente seria um nobre. Falaria com honradez. Me agradeceria por protegê-lo. Me convidaria para o seu castelo, faríamos uma festa. Lembraríamos das aventuras que tivemos. Agradeceria-me por servi-lo tão nobremente. Agradeceria-me por levá-lo ao seu reino. Dormiríamos. Acordaria no dia seguinte, com o espírito preenchido e preparado para novas batalhas. Me diria que não poderia ir, que tinha um reino para governar. Me diria que poderia visitá-lo. Nos despediríamos em uma solenidade, mas como velhos amigos.

Entro em casa, meu pé-de-aço fica em seu reino de entulhos, com uma batalha constante a ser vencida contra os inimigos artrópodes. Papai pergunta onde estive e digo que ele não entenderia. De fato, não entenderia. Mamãe pergunta pelo meu pé-de-aço, e falo que ele está onde tem que está. Lembro-me do meu amigo saudosamente, com respeito e admiração. Em seguida, mandam-me tomar um banho. Preparo-me para uma nova aventura.

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