quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Injeção

"Hoje eu vou chorar", dizia com pleno entendimento dos seus sentimentos aos quase dois anos de idade. O carro havia estacionado no posto de saúde, seus pais se surpreenderam com a frase. Não sabia o que era asma, ou tratamento, mas tinha a certeza de que não gostava de injeção. Uma por semana. Normalmente pai e mãe diziam-lhe que não doía, mas hoje ele estava experiente. "Mas porque vai chorar?", perguntou a mãe. Disse desafiadoramente: "Hoje eu vou chorar", convicto de seus ideais. Desceu do carro, e caminhou até metade do caminho de mãos dadas. A mãe tentava demovê-lo. "É só uma picadinha de formiguinha, não dói". Nada falava. Ao chegar perto, via a fila com outras crianças. Algumas brincavam e riam em sua ignorância ou coragem, outras já choravam, saindo da sala maldita, que todos aguardavam entrar. Pobres coitados. Se sentiu apreensivo, e pediu para ficar no colo. A mãe não o recusou, e continuava sua ladainha. Ele estava impossível naquele dia, e não dava atenção, era todo apreensão, atento para que nunca chegasse a sua vez. Ouviu a moça de branco chamar-lhes: "Mãe, é vez de vocês", apontando-lhes o dedo. "É a de asma", ela disse ao entrar na sala. Mãe logo comentou com a outra moça de branco, como quem contava uma anedota: "Ele disse que hoje vai chorar". A médica riu docemente e falou: "Vai nada, esse menino corajoso, é só uma picada de formiguinha". Respondeu: "Dói sim.", dando seriedade a situação. Logo a médica escondia o riso com a máscara branca, e tirava sua agulha de um isopor, com o vidrinho. Puxando o líquido da ampola, pedia que lhe mostrasse o braço. A criança não se recusou, senão ajudando, levantou a camisa com pesar e olhos fixos para os olhos da médica, mostrando sua coragem. Logo, sentia o ferrão do escorpião perfurando sua pele e o veneno gelado e ardido adentrando seu corpo. Deu um grito contido, e derramou duas lágrimas.   Olhou para todos, e logo, voltou o rosto para sua mãe e disse de modo provocador, com a voz cheia de tristeza: "chorei".