*Reportagem extraída da revista "Aventuras na História", edição 094, maio de 2011, editora Abril. Escrita pelo jornalista Caio Bezerra Silva.
Data do ano de 1997 a descoberta do conhecido "Diário do viajante perdido", quando pescadores da "praia do futuro", Ceará, por acidente, descobrem na áreia, dentro de uma combuca de barro, tais escritos. Na combuca, como viria dizer a historiadora Maria Cristina Figueiroa, professora efetiva do departamento de história da UnB, era claramente indígena, típico dos povos irerê oê, que numa tradução livre, viria a significar povo pé de maré., dizimados antes da chegada dos portugueses por outros povos. Ainda não se tem uma data determinada para a época em que fora escrito, contudo apenas se sabe que antecede cerca de 200 anos a chegada das embarcações de Pedro Álvares Cabral, o que apenas torna o diário um achado ainda mais interessante e relevante para o estudo do Brasil pré-colombiano. Contudo, o maior mistério que cerca tal obra é o seu autor. O texto está escrito em latim, de autoria de aparentemente um monje beneditino. Em nenhum momento fica claro a nacionalidade do autor, tampouco como ele chegara nessas terras que num futuro longíquo viria a ser dominada pelo homem europeu. O escrito parece estar faltando algumas partes signifitivas, que facilitem o entendimento ou o trabalho dos historiadores, contudo, o que há de mais relevante no texto são alguns dos relatos do monje sobre os povos irerê oê. O autor, ainda que não fosse um pesquisador, preencheu seu diário pessoal de observações a cerca do povo indígena, e o estranhamento com a nova cultura que entrava em contato, tornando-se me alguns momentos relatos ricos em detalhes sobre os hábitos e costumes do povo da praia. Em alguns momentos, há a tentativa de reproduzir os sons da língua indígena, no alfabeto europeu, assim como os curiosos relatos sobre os hábitos sexuais dos pertencentes da tribo, seus rituais de guerra e culto adivindades sagradas: o Iurarê, o que seria o espírto da maré encarnado no corpo do chefe da tribo, e o Maptchumbare-oê, o espírito do chão encarnado em todo o povo da tribo, que daria força ao Iurarê, como seria explicado no diário.
Ainda em estudo, e não totalmente traduzido, em entrevista com a chefe do Núcleo de Estudos Pré-Colombianos, a professora Maria Crsitina Figueiroa, traz alguns trechos de algumas revelações que podem proporcionar um novo entendimento sobre o povo Irerê-oê, sobretudo, sobre o seu declínio. Contudo o diário ainda é considerada uma fonte histórica incerta, pois não conseguiu-se ainda definir uma época específica para a origem do viajante do diário. Assim como não há o conhecimento de qualquer outro relato sobre tal viajante, a não ser tal escrito. Afinal de contas, quem é esse monje? "Não sabemos. E o texto com muitas partes faltando, muitas pelo tempo que se perderam, é um texto que não tem uma continuidade e assim fica muito dificil de haver um entendimento único.", diz a historiadora. O texto escrito em latim dificulta ainda mais saber a nacionalidade de tal turista, contudo, o que acredita-se, é que ele seja um náufrago da terceira embarcação francesa, que aventurou-se a navegar pela costa do Noroeste da África.
No período de 1300, a 1400 aproximadamente, há o registro da tentativa secreta da Igreja Católica de aventurar embarcações por essa área, em busca do que pode-se chamar uma cruzada ao oeste. Todas elas mal sucedidas, levando a um abandono abrupto de tal empreitada, com o fortalecimento dos estados modernos. Sabe-se que tal embarcação perdera-se, acreditando que tenham se afastado um pouco mais a oeste do que imaginara-se, e se chocando com os rochedos da "Falha geologica da Calmaria e Boa ventura", no oceano Atlântico. O monge teria ficado a deriva no mar, e chegado a então praia desconhecida pelo homem branco, inexplicavelmente, vivo. A data estipulada pelo teste do carbpono 14 é aproximada com a data da embarcação, assim como são essas as únicas embarcações européias que tentaram se arriscar para esses lados no período. Fala-se que muito dos mitos conhecidos sobre o fim do mundo à oeste, passaram a existir de tais fracassos marítimos, enriquecendo o imaginário da população medieval.
"O que há de mais importante neste diário, são os dados fornecidos para o entendimento do fim do povo Irerê-oê. Quando nosso viajante chegou aqui, eles já se encontravam decadentes." A pesquisadora se refere ao longo período de guerra entre outras nações indígenas, a fome e rituais sanguinários. A região da praia não vinha sendo próspera, assim como a principal característica desse povo, o nomandismo, levavam a constante mudança de território e ao encontro com outras nações, sendo eles, muitas vezes, encontros sanguinolentos. Contudo, jamais podem ser caracterizados como um povo imperialista, ainda que nas guerras, quando vencedores, havia a aniquilição total dos inimigos e, como de costume, a antropofagia. Raramente havia alguma aquisição ao costume de outra cultura. A cultura oral e a caracteristica de ser um povo fechado ajudou para que se soubesse menos sobre esse povo, e por isso a importância do achado histórico. Ao que parece, não terem matado o monge foi algo incomum, contudo acredita-se que o fato de o terem achado vindo do mar, o povo o deixou conviver entre eles, mas nunca como um igual. A religião de cunho animista, endeuzava, entre outras coisas, a dinvidade do mar, e ao monge fora dado um nome relativo ao mar, apesar dele jamais ser escrito no diário. "Ele fala em certo momento que o chamam por um nome que ele não consegue repetir. A língua das pessoas da praia é composta por alguns sons guturais, e que as deformações infrigidas na língua, tornam impossível para o monge depronunciar. ... Em certo momento ele tenta criar uma escita para a lingua do povo, mas é algo muito limitado, havendo apenas os caracteres que soam iguais as letras do alfabeto europeu.".
O período que o monge chega, é justamente em um momento em que o povo Irerê-Oê, após um conflito violento com os guaranis, movem-se para um outro território, totalmente desconhecido, para logo irem de encontro a uma outra nação. É preciso antes colocar que mesmo nomades, os Irerê-oê transitavam por um território o qual se repetia: após sair de algum lugar, poucas vezes iam a algum lugar novo, senão voltavam a algum lugar que já estiveram. "Sabe-se que há algo de sagrado na peregrinação desse povo, pois voltar a terra anterior era o reencontro com os antepassados e as divindades da natureza. Era voltar a região das falésias, ou ao arvoredo sagrado, todos lugares os quais se ligavam histórias míticas e reais de lutas dos antepassados e divindades. Isso também explicaria alguns empreendimentos imperialistas dos Irerê-oê, quando no encontro com outras nações, a retomada do território antigo era um momento em que havia a transfiguração e alcançava-se a divindade. Eles então mantinham sempre um movimento que parecia um zigue-zague, abandonando o território para reencontrá-lo e reconqusitá-lo", fala Maria C. Figueiroa. A aniquilação do outro povo, dava-se na medida em que se estipulava o sagrado, tranformando a guerra na principal forma de encontro com o sagrado. Contudo, a violência frequente os levou também a um período de decadencia, pois as constantes guerras e conflitos os levaram a sua miséria economica e humana, dado os altos ínidices de mortalidade.
A chamada hoje praia do Futuro então marcou o encontro de um povo derrotado, em pleno colapso, com um estrangeiro, vindo da principal divindade, o mar. Em nenhum momento o monge parece reconhecer tal tipo de movimentação nômade, senão relata em detalhes o seu assombro com os rituais infrigidos a alguns dos Maptchumbare-oê, pelo Iurarê. Dado as derrotas constantes, o Iurarê, a dinvindade do mar encarnada no chefe da tribo, tinha o poder para reclamar mais corpos, aqueles que não forma ganhados no conflito. Quando vitoriosos, os corpos ofertados eram os dos outros povos, aniquilados. Contudo, quando derrotados, haviam de oferecer corpos de seus proprios integrantes, dos Maptchumabare-oê, o que consistia em esquartejar alguns e jogá-los ao mar, e outros, servidos para que o Iurarê o comesse. Sua alimentação era basicamente antropofágica, diferentemente do Maptchumbare-oê, que viviam da caça de animais e colheita de plantas e frutas nas matas. Após a digestão, as fezes do Iurarê eram levadas ao mar, quando não usurpadas pelos demais integrantes da tribo, que as enterravam ou comiam, na tentativa de conseguir mais força e poder entre os Maptchumbare-oê. Completa a pesquisadora: "Ser forte para os Urarê-oê significava sobreviver à guerra ou a fome insaciável do seu chefe e sua divindade, basicamente." Para um povo que já havia sido derrotado, e sofrido os pesares de constantes guerras, havia uma chacina ainda maior dentre os seus semalhantes, enfraquecendo-os ainda mais enquanto nação.
Os hábitos sexuais das tribos também são parte do relato, havendo uma descrição minuciosa da tradição de iniciação sexual das mulheres, quando eram defloradas pelo Iurarê, na medida em que os Maptchumbare-oê assistiam. Para depois, no mar, mergulhar e engravidar. Acreditava-se que era necessário ter relações sexuais com vários homens para que a criança nascesse completa, sendo filho assim da nação. As relações de parentesco modificavam-se, não hevendo um reconhecimento de quem era pai ou mãe, senão todos cuidavam de todos. Entre os Maptchumabre-oe não havia diferença alguma. Haviam apenas aqueles que eram considerados mais fortes e os considerados mais fracos, mas todos se encontravam no mesmo nivel social. Tal como outras nações indigenas, as crianças eram criadas por todos, e todos viviam nos galpões ciruclares comunais, erguidos com palha de coqueiro e madeira. As crianças, por volta dos doze anos eram considerada adultas, e seus pais tinham a obrigação de cortar-lhes a língua com dentes de tubarão, birfucando-a, em sinal de que não era mais criança.
O monge coloca que é comum ele passar muito tempo com as crianças, e que por isso, por também não ter a lingua bifurcada, vive como uma criança na tribo. Estas são protegidas, não sendo entregues ao Iurarê como um corpo ofertado, tampouco levadas aos conflitos com outras nações. Portanto, o monge esteve longe dos conflitos a maior pate do tempo, e apenas vivenciou a guerra quando uma nação guarani avançou sobre a localidade da tribo em que estava, havendo várias mortes, inclusive de outras crianças. Foi neste momento que descreve o primeiro ccntato ocm os rituais preparatorio para a guerra, quando se fabricavam armamentos e realizavam mais sacrifícios. "Há um trecho no diário que o monge descreve seu horror com aquele povo indigena, que mesmo havendo lhe acolhido, e mostrando um espírito cristão em germem, em tantos momentos, referindo-se a partilha comum e ao que chama de caridade, exibem uma verocidade demoniaca no que diz respeito aos hábitos relacionados a guerra."
A aniquilação do povo não se sabe ao certo, apenas que desapareceu completamente enquanto nação num intervalo de menos de cinquenta anos após o chamado início do período de decadência. Contudo, muito se deu mais pela dispersão e adesão a outros povos que por uma aniquilação total em conflitos armados. A fome insaciável da dinvindade do Iurarê também causavam fugas e abandonos dos Maptchumbarê-oê. Por fim, o relato desse viajante inusitado é abruptamente acabado, dado sua incompletude, não sabendo ao certo qual fora o fim de tal europeu perdido nas praias brasileiras pré-colombianas. Contudo, sabe-se hoje da importância desse diário para o entendimento de vários hábitos e fatos históricos do povo Irere-oê, sem o qual estariam perdidos. Perguntado a chefe do Núcleo de Estudos Pré-colombianos, quando esse diário será totalmente publicado então? "É importantíssimo que publiquemos esse diário, é um achado sem tamanho para a história do Brasil; contudo, é preciso ainda que haja mais pesquisa - ainda não terminamos de traduzí-lo todo se quer, e uma publicação só será possível quando este trabalho de tradução e estudo estiver concluído. Mas garanto, não demorará mais tanto." Esperemos então.
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