Mamãe morreu quando as meninas eram pequenas, mas a mais velha se lembrava bem do laço azul que ela lhe deu. Laço azul celeste para prender o cabelo. No dia do enterro a mais nova não chorou, e a mais velha segurou as tranças para entender o que tinha acontecido. Sempre disseram que papai não ia conseguir cuidar da fazenda só, e criar duas meninas sem nenhuma mulher por perto. Papai criava bicho, porco, galinha, mais porco que galinha. As galinhas ficavam no galinheiro, e os porco no chiqueiro, que era fechado, pra eles não fugirem. As irmãs gostavam de brincar lá, iam, mesmo antes de mamãe morrer, dá comida pros porcos e se sujavam. Faziam pra galinha: ionc-ionc; e pros porcos: cocoricó, pra confundir os bichos. Corriam pra ver quem chegava primeiro, e paravam perto da pedra grande, pra não molestar o pé. Antes de entrar em casa, mamãe jogava um balde de água pra tirar a lama dos pé.
Depois que mamãe morreu, a casa ficou suja, cheia de lama. As criança não comiam bem, e a mais velha tentou cozinhar. O pai tava muito triste, e não brincava mais com as menina, a mais nova subia na sua barriga e ele nem mais ria, só a colocava no chão. Não tinha como cuidar delas, não sabia dar banho, dar de comer, não sabia que horas menina dorme, nem que horas acorda. As menina não podiam trabalhar no roçado, nem fazer nada com os bicho, e papai de vez em quando brigava.
Um dia veio uma mulher com papai. Ela tinha uns lábios vermelhos, falava alto e um sorriso muito grande pro rosto. Papai disse que o nome era Jane, e que ela agora era a mulher dele, e ia cuidar das meninas. Papai podia ir pro roçado, cuidar dos bichos, cuidar dos plantio, que Jane sabia dar de comer, dar banho nas meninas, que horas menina dormia e que horas acorda, porque era mulher também.
Jane tinha um sorriso que virava do avesso quando papai ia embora. As meninas brincavam com os porco, com as galinha, e quando entravam em casa, ela dava era muito nas duas porque sujou a casa de lama. Depois diziam que tavam de castigo e as duas fugiam. A mais velha ficava segurando a fita azul que mamãe lhe deu, enquanto dormia embaixo do cajueiro, escondida de Jane. Quando voltavam, Jane dava era mais, e reclamava com papai. Papai não defendia as meninas, pensava que Jane tava era certa, e que assim que se educava menina. Papai não sabia. As meninas pensavam que papai não se importavam. A mais nova chorava muito e depois de um mês parou fugir quando apanhava. A mais velha ainda fugia, mas apanhava mais.
Um dia Jane bateu com uma galha, e puxou a mais velha pelo cabelo, só porque lhe fez raiva. Tirou a fita azul celeste dela e disse que se ela fugisse, ia cortar a fita toda. A mais velha chorou muito a noite, e se meteu no quarto de papai que dormia com JAne, pra pegar a fita de volta. Quando Jane, que fazia intimidade com papai, viu a menina entrar no quarto, deu um berro, e pulou com toda raiva pra cima da menina. Foi até o quarto com a galha, e meteu nela que acordou a mais nova, e começou a chorar. Jane dizia pra se calar as duas, e que ia dar nela também, mas a mais nova aí que chorava mais. Ela pegou as duas, levou ate o chiqueiro, e disse pra ficar. Depois fechou com cadeado numa corrente bem grossa.
Papai não achou isso certo e mandou Jane tirar as meninas. As meninas ficaram em casa nessa noite.
Tempo depois, papai foi se embora cortar cana em São Paulo e deixou as meninas com Jane. Deu um beijo em cada uma e foi embora. Jane não havia esquecido, e mostrou o laço azul celeste para a mais velha com um sorriso malvado, e cortou todinho na frente dela. Disse que era por conta da malcriação dela. A mais velha correu pra bater em Jane, mas jane era mais forte. Jane pegou as duas, e prendeu de novo no chiqueiro com a corrente de cadeado. As meninas ficaram na lama bem muito tempo quando viram que o sol já tinha ido e tava nascendo. Jane chegou junto e disse que ia tratar elas que nem bicho agora, que fica preso porque não obedece. Jogou a lavagem, e foi se embora. As irmãs só choravam muito. A mais nova deitou a cabeça na barriga duma porca e tentou dormir. A mais velha pegou da lavagem pra comer porque tava com fome.
Se passou bem tempo, e as meninas começaram a se esquecer de falar. Pra pegar a comida, gritavam fazendo como os outros porcos: uirrrrr. Metiam lama na cara, e comiam da lavagem. Não tinham muito o que fazer e começaram a andar de quatro que nem as porcas. A mais velha se esqueceu do laço azul e do nome de Jane. A mais nova, se esqueceu de caminhar primeiro que a mais velha. Logo, os dedos começaram a virar patas, e os dentes ficaram mais fortes pra poder roer tudo. Na hora de comer brigavam muito, e a mais velha engordou muito, porque tinha mais força. A mais nova gostava ainda de mamar da porca que teve filhote e roubava a mama do melhor leite. O nariz foi ficando pontudo, e logo as duas já tinham focinho e eram uma porca inteira.
Jane disse para papai que as duas fugiram quando ele chegou. Mandou Jane embora porque ela não soube cuidar das filhas dele. Papai só viu que tinha mais duas porcas no chiqueiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário