sexta-feira, 16 de julho de 2010

A qualquer momento: nós, os incorrigíveis.

Hoje, se falarmos que a preocupação dos cidadãos da cidade de São Paulo da segunda metade do século XX era o trânsito e a progressiva paralisação completa que impediria o deslocamento, assim como um dos principais causadores de mortes e verdadeiras tragédias, nos parece algo absurdo. Preocupação essa que rondava o mundo, e sobretudo, as principais cidades do mundo. É possível ver no filme de um cineasta francês, Jacques Tati, lançado comercialmente no ano de 1971, filmados a moda antiga, com câmeras e atores reais¹ cena que anunciava tal preocupação: as pessoas não conseguiam andar com seus carros devido ao intenso trafego de veículos, saindo então todos e indo andando entre os automóveis. Cenas como essa, quando assistida em seu tempo, encontrava-se enquanto semblante da sátira social até meados da primeira metade do século XXI. Observe como o crítico não muito ilustre Jean-Marc Badabie defende o valor artístico da cena através da sátira social, em artigo publicado na revista "Carrihers du cinema" (1971, p.72): "A cena final, emblemática, relevante pela sátira social, revela a genialidade do cineasta no uso de planos contínuos e humor, preconizando assim, o futuro drástico - ou a presente necessidade de freios para evitar o choque e a paralisação total." (1: apesar de indiscutível progresso nas técnicas de produção e de linguagem cinematográfica, a película remonta à técnica desse passado, que hoje, já inexistente, torna-se incessível para o público geral, além de completamente desinteressantes para aqueles que não assistem acompanhados da curiosidade típicas daquele que buscam a um documento histórico. É importante ver como obras de arte, ligam-se com seu tempo, assim como, sobretudo, o valor artístico; contudo, essa é outra tese já bastante discutida, que, se possível, e não havendo colapso total da nossa sociedade, pretendo desenvolver em outro texto dedicado ao tema).

Apesar dos elogios, hoje, descontextualizada, é uma cena chata, que não gera humor por completa falta de diálogo com o público. Contudo o que não esta em questão é o valor artístico do filme, mesmo que este tenha mudado (se algum dia já teve), senão a ilustração do tempo e os hábitos que mudaram por completo desde a criação do teletransporte. Vemos no filme a ilustração do momento histórico em que se pensava a criação de alternativas para que a produção não parasse por completo. As cidades encontravam problemas de poluição (algo que não mudou desde então), longas horas de trafego intenso, e sobretudo, as pessoas se atrasavam, tendo como desculpa mais freqüente, o transito. Esta é sem dúvida uma desculpa válida naquele tempo. Hoje, com a comercialização indiscriminada dos iTransports, criação sem dúvida nada menos que revolucionária, já foi visto como alternativa definitiva para todos os problemas relacionados à locomoção e deslocamento no espaço. Contudo, como falamos aqui de comportamento humano, o que se observou ao longo dos cinqüenta e dois anos desde a sua criação, foi o progressivo aumento de atrasos e cancelamento de compromissos, multiplicando e isolamentos cada vez mais freqüentes: o número enorme de pessoas que não saem mais de casa se prolifera por todo o mundo, deixando de ser uma prerrogativa japonesa. Pessoas mais idosas, que cresceram ainda na época dos automóveis ficam abismadas ao verem as ruas vazias. Falam de seu passado como tempos gloriosos, em que o ar havia mais fuligem e barulho de pessoas nas ruas. Hoje tudo o que se escuta é o vento e o ranger das estruturas dos prédios decadentes que faltam manutenção.

É preciso antes, citar o extenso estudo realizado pela empresa da Apple, criadora dos iTransports, que após a colocação do produto do mercado e sua completa difusão, sendo adquirida pelos governos, primeiro os tigres asiáticos e países africanos, que foram usados enquanto cobaias², observou e um estudo extenso feito em mais de 2 anos de pesquisa o motivo o qual, apesar dos imediatismos, os atrasos e abstenções de compromissos foram registrados nas empresas um acréscimo, completamente diferente do esperado. A idéia lançada inicialmente pelos detratores dos iTransports, e rapidamente difundida, era a de que o transporte não era imediato, senão havia algum delay na viagem, e por isso os atrasos. Aliava-se a isso as freqüentes queixas de que não era uma viagem segura e causava enjôo em algumas pessoas. O boato se difundiu rápido, havendo uma diminuição significativa no uso e na venda em relação ao ano anterior, que gerou a necessidade de um estudo que comprovasse justamente o contrário. O enjôo causado foi logo justificado, devido ao espectro de luz que era emitido. Tal estudo propiciou a mudança para os modos UV, ou UVB ou o RED-UVB, que torna a viagem mais confortável e menos enjoada (contudo, as acusações de exposição de longo tempo ao aparelho causa câncer no olho ainda se sustentam). (2: é importante destacar que, apesar da completa segurança que estes aparelhos divulgam, e da confiança que se tem hoje no aparelho, houve uma resistência no mercado de países com índices de escolarização mais altos em suas populações, dentre as principais suspeitas: 1)câncer; 2)desaparecer; 3) o perigo de se fundir com uma mosca ou algum outro corpo que se colocasse junto; 4) aparecer em algum lugar indesejado, 5) haver órgãos em lugares errados no deslocamento; 6) viajar através de uma outra dimensão, havendo a possibilidade de liberar maus que destruíssem a Terra; 7) a viagem causar enjôos; 8) a ruína das grandes empresas de automóveis, empreiteiras e construtoras de estradas, pagando aos governos para a proibição do produto em seus países. Muitas das suspeitas confirmaram-se, mas não houve, contudo, um impedimento para a difusão do equipamento, sobretudo, após ao desenvolvimento econômico rápido que o continente africano sofreu e ao colapso das empresas ligadas aos transportes e criação de estradas.).

A acusação mais grave, referente aos atrasos, foram investigadas, onde foram levantadas inicialmente duas hipóteses, as quais estariam todas elas ligadas a problemas do aparelho: 1) apesar de o delay não ser observado no momento em que o equipamento é novo, aparelhos mais antigos produzem esse delay, devido ao desgaste rápido das cápsulas de lítio; 2) o delay acontece devido a proliferação dos aparelhos e as linhas de transmissão via vácuo congestionam-se, havendo diminuição do fluxo de informações e células humanas. A segunda, mais assustadora para os pesquisadores, preconizava a volta ao trafego intenso e transito, o que os iTransports vieram substituir e extinguir (quem não se lembra do slogan: "O Agora nuca foi tão imediato!"). Reduzirei os aspectos técnicos das pesquisas, apenas destacando seus resultados finais. Para a refutação da primeira hipótese foram recuperadas amostras de aparelhos dos primeiros lotes vendidos, onde se constatou que as cápsulas de lítio encontravam-se conservadas, mostrando-se inclusive, inúteis, e não havendo razão de sua colocação no aparelho. Medidas de produção foram anexadas à mesa de produção, sendo elas retiradas por completo, barateando os custos e a acessibilidade às classes C que ainda se encontravam à margem do equipamento. A segunda hipótese confirmou que as vias a vácuo não eram possíveis de congestionamento, uma vez que se proliferavam através de ondas e não de partículas. A leitura do aparelho receptor que havia alguma demora, contudo, em nenhum momento mostrou-se superior aos 2,03 segundos, muito abaixo aos vinte minutos observados na média dos atrasos. Sendo assim, a hipóteses relacionadas a direitos com a fabricação e problemas internos dos iTransports foram excluídas. Contudo a pergunta relacionada aos atrasos das pessoas que se intensificaram não foi respondida através deste estudo, senão apenas da seguinte maneira, tal como coloca Gunter Fassbender, diretor da pesquisa, em defesa da empresa: "Enquanto problemas físico do aparelho, não foram encontrados nenhum o qual justificasse os atrasos, apenas refutamos as acusações impróprias sobre um possível delay. A justificativa para tal fenômeno so nos pode ser entendida enquanto fenômeno social, e não físico, e portanto, não cabe a nos responder. Chefes, se se incomodam com os atrasos, cobrem eles dos funcionários à moda antiga e não acusem nós, profissionais sérios, ou o nosso produto. Ele é, portanto, seguro e imediato, tal como veiculamos em nossa propaganda."

Sendo assim, já passados 23 anos desde a pesquisa realizada, a resposta foi encontrada no comportamento humano, que visto sinais de novos tempos, encontrou uma inesperada resposta para o imediatismo proporcionado pelos iTransports. Os atrasos eram humanos, e as desculpas e acusações indevidas, mais ainda. As pessoas, tendo em vista a possibilidade real do deslocamento imediato, traduziram isso na famosa frase "a qualquer momento", cujo único obstáculo para o deslocamento, era a locomoção até o aparelho individual na sala de estar (em pesquisa realizada em sete países, confirmou-se que os iTransports eram colocados na sala de estar, lugar para receber visitas). Sendo assim, a qualquer momento tornou-se ao longo do tempo, a única possibilidade de futuro em oposição ao imediatismo. Uma análise do imaginário de nossos tempos que ganha extensão diante do absolutismo do imediato é justamente a reivindicação da possibilidade de um futuro, cujo propicie uma vivência mínima. Os atrasos se intensificam ao ponto de hoje, muitas pessoas tem seus iTransports em casa sem usá-los, e estão completamente isoladas de outras pessoas. O aumento assombroso, e o colapso das relações humanas são justamente o absolutismo do agora, que freiou completamente o fluxo. O fato de grande parte das populações dos mais diversos países estarem neste progressivo processo de isolamento e absolutismo da individualidade e do agora são marca de nosso tempo, cujos efeitos drásticos já podem ser vistos em conseqüências reais: 1) a crise econômica, uma vez que as pessoas não vão mais trabalhar; 2) a dominação e completa dependência do homem pela máquina; 3) a crise de alimentos, que em poucos anos, já levou a inanição várias populações, e extinguiu grande parte da América latina, continente com vocação para a pobreza; 4) a perda de línguas e idiomas, os quais muitos já são, em um período inferior a 50 anos, línguas mortas; 5) a morte dos idosos, que reduz hoje a expectativa de vida para 58 anos. A explicação encontrada é devido a rápida diferença e descontextualização daqueles da era dos automóveis, cuja vida parece ilógica e deslocada totalmente nos dias atuais; 6) a redução no número de nascimentos, que progressivamente vem sido reduzido. Numa análise nos dois últimos anos, no mundo todo, mostrou um número muito maior de mortes em oposição ao de nascimentos. Fazer um bebê implica em geral sair de casa, o que traz nada mais senão uma atualização do dilema, a qualquer momento.

Esses são os poucos fatos listados que estão relacionados à criação não menos que revolucionária que trago neste ensaio. Existe hoje alguns movimentos, que têm invadido a casa de pessoas e destruído os iTransports, contudo, os meios alternativos de deslocamentos já estão quase que extinguidos, não havendo combustível para os carros que sobraram, ou animais que sirvam de montaria. Resta nada menos que o velho caminhar, que surge como único recurso. Contudo,as ruas vazias, e ausência de portas nas casa mais novas, sendo entrada apenas possível através dos iTransports, impedem que renegados se encontrem nas ruas, senão apenas dos aparelhos, o que traz novamente o problema da corrosão do tempo cronológico, havendo a perda total de um tempo objetivo, diante da supremacia do individual. O que perdeu-se portanto, é a sensação de grupo. Se foi viver em grupo que nos caracterizou como animais mais desenvolvidos e possibilitou a evolução, deixar de sê-lo é portanto, o nosso fracasso: um fracasso coletivo e incorrigível.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Manual de Superstições I - o vôo almadiçoado da coruja

Condicional: Se uma coruja passa por alguém num raio de uma esfera de até 30 metros, estabelecendo assim contato visual e/ou auditivo, enquanto que, ao mesmo tempo em que tal contato é estabelecido, cantar, fortemente ou não, de modo que se escute ou não, algo de ruim acontecerá: 1)com você; e/ou 2)com algum familiar; e/ou 3) com algum conhecido. No entanto, a única maneira de impedir tais acontecimentos futuros prováveis é se aquele que estabelece contato com a coruja dizer para ela, ainda enquanto a enxerga e/ou a ouve: "Vai-te só!".

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Pedaço

Muitos anos depois, quando a doença já havia destruído suas memórias mais recentes, e não reconhecia com facilidade seus parentes, chorou no quarto a noite, sentindo saudade da infância, dos seus pais, de seus irmãos e de seu filho morto. Lembrou-se dele, e misturando as memórias, situou-o na mesma época de menino, quando costumava roubar doce no fiteiro, na esquina da rua de sua casa em Bairro Novo. Nesta época, de tão baixo que era, não conseguiam vê-lo através do balcão enquanto metia a mão puxando a prmeira coisa que agarrasse. Depois, disparatava na carreira, enquanto sua única preocupação era não levar tabefe de guarda ou que sua mãe descobrisse, coisa que sempre acontecia. Vez ou outra, seu filho costumava tá ali junto, se recordava, correndo com ele, dava lição ainda: "pai, você não devia fazer isso. Você também não devia comer tanto doce", e no quarto escuro, ocm lágriams entre as rugas, respondia: "eu sei, é errado, mas é que eu gosto tanto de doce". Quando chegava em casa, mãe perguntava logo onde ele arranjou dinheiro pra comprar doce, e dizia, "foi meu menino", e Jõao sempre enconbria, "é fui eu vó". Mãe não reclamava com o neto, dizia que tinha era que mimá-lo, e iam jogar bola os dois. Não se lembrava bem se tinha sido no último natal ou no aniversário do seu menino que ele deu aquela bola para ele, mas já estava gasta, e decidiu-se que fazia tempo suficiente, e que jogavam com ela a bastante tempo. João reclamava vez ou outra, "quero uma nova pai", e ele dizia, "so no seu aniversario pq eu nao tenho dinheiro, ou você pede pra mãe, ou espera eu crescer pra eu trabalhar e poder brincar", e João ficava com raiva, e fazia manha, e diminuia de tamanho. Ficou tão pequeno que desaprendeu a andar, teve que colocar fralda, e joão não falava mais nada. Anos depois, ali na escuridão ele chorou de novo, quando viu ma parede branca do quarto, o som da tv atravessando a sala junto à voz de sua senhora. Era Lalá quem trocava as fraldas de João, e nessa época ele só sabia jogar bola, e roubar doce. Quando se metia ele e seus irmãos, a correr, ou sair coletando jornal velho pra ter dinheiro, e inteirar a feria de casa, lalá ficava com mãe. Brigavam muito entre si, e depois brigavam com ele, e diziam que ele não era um bom pai, e aí ele pegava o dinheiro da feira e comprava a bola pra João, e íam brincar. Depois na rua, sempre na rua, diziam pra ter cuidado com os moleques, e depois diziam que os moleques eram eles mesmos, os dois, joão e seu pai, soltando fogos de artifício nas caixaas de correio da rua, mijando nos muros dos vizinhos que eram inimigos de vô, sempre correndo. Quando viam juntos, brincando pai e filho, quem gostava de vô, dizia, "que felicidade ver esses dois juntos, eles são inseparáveis. é tão bonito ver pai e filho tão amigos." Mas vez ou outra também diziam diferente: "Com esses dois, as ruas ficam impossíveis! Ainda mais com um pai desse!". Ele não se importava, não sabia que era pai, mas sabia que João era o filho dele. Quando falavam mais duro, diziam que ele tinha que ter mais responsabilidade, principalmente vó, que tinha que trabalhar, e ele replicava, "mas eu sou só uma criança", e tudo então fazia sentido. João não devia tá ali, ele tinha que ir emobra. "é pai, meu lugar não é aqui", concordava João com Lalá, que dizia, "ele tem que ir embora". Chorou muito, porque ele gostava muito de João, e não queria se separar dele de novo, e gritou, "me devolvam meu filho!", que da sala, se escutou o grito. E então ele tava roubando doce de novo no fiteiro, correndo ao lado de João, mas dessa vez não entraram em casa, passaram direto. Continuaram correndo. Ele tinha que algo a dizer, mas não sabia o que era. João pedia um pedaço de doce. "Já começo a gostar desse doce. Tenho uma idéia.", diza João com a boca cheia de goiabada, "Eu posso ser seu irmão, ao invés de seu filho, e aí vó cuida de mim e lalá vai embora." E ele gostava da idéia, mas sabia que não tinha como deixar de ser pai e filho. Ele apagou o sorriso, e falou, "mas você vai deixar de ser meu filho.". E ficou com medo de que não fossem mais ser tão amigos como eram, que fosse acontecer alguma coisa, que o elo pai e filho se quebrasse. Falou então: "É melhor tu ser meu pai e eu teu filho, que faço birra e não vou embora", e João ficou pensativo. Era muita responsabilidade, e ele também era pequeno, não queria ter que mandar no proprio pai. Ficaram os dois matutando enquanto a goibada era comida por eles e pelas formigas. João então falou, "não tem como, eu vou ter que ir embora." Ele ficou triste, queria João ali. "E como você vai embora?", "Eu vou morrer", respondeu. Sentiu muito medo, e pensou, que João já tava morto, as formigas também tavam comendo ele e gritou muito forte.