O primeiro caso relatado aconteceu em Manchester, Inglaterra, deu-se enquanto um caso de separação litigiosa na vara familiar, julgado pelo juiz William Kossick, ingles de decendência alemã. Tal caso foi analisado sem os apelos midiáticos pela primeira vez no I Congresso Internacional de Ciências Jurídicas em Glasgow. Analistas não sabem se este caso foi um precursor, se os órgãos já não se revoltavam antes, mas sem dúvida abriu as portas judiciais para resultados favoráveis aos orgãos e não ao organismo. No entanto, alguns cientistas jurídicos afirmam que com o decorrer dos fatos e a maior frequencia de casos parecidos, talvez fossem melhor julgados numa nova instância a ser criada, a vara dos órgãos: aquela que julgaria os casos em que órgão processam pessoas e outros órgãos - ouvidos processam dedos, línguas processam dentes, barrigas processam seus donos - já que estes, como veremos a seguir, merecem tratamento jurídicos diferenciados.
Não é de se espantar que o primeiro caso tenha sido justamente uma barriga revoltada com sua condição de obesa, pede divórcio com o resto do corpo, processando assim Madeline Brosman. A barriga de Madeline, chamada assim nos autos do processo (até então, os órgãos não tinham o direito de ter nomes próprios), acusava Madeline, dentre outras coisas, de desleixo, preguiça crônica e exagerado apetite; caracteristicas as quais agravavam a situação, forçando-a a ficar debruçada constantemente sobre as genitália de Madeline, lugar oriundo de um terrível mal-cheiro. Ela exigia uma separação o quanto antes, assim como o pagamento de uma pensão e outros direitos conferidos a um casal divorciado. Em sua defesa, Madeline afirmou que não tinha vontade de emagrecer, e sentia muita raiva de mulheres magras, sinônimo de beleza até então. A sua barriga era a representação de si e de sua revolta à anorexia. Para ela, portanto, uma separação causaria danos irrparáveis à sua pessoa, sendo isso inaceitável. Quanto ao mal-cheiro dizia tratar-se de calúnias, e não exiatria em provar a qualquer duvidoso de que sua vulva exalava um odor bastante agradável.
Para que compreendamos o julgamento favorável à barriga de Madeline, é preciso ir além da relação de Madeline com sua barriga, ou mesmo ao apetite exagerado dela. Compreendamos duas outras histórias relevantes para o julgamento, no intuito de não termos uma interpretação leviana acerca dos fatos. A primeira, a tradição do divórcio na Inglaterra, lugar que tem sua história política marcada por reis e rainhas desquitados, algo que segundo alguns historiadores tornou a ilha do mar do Norte como o país com mais casais separados. Segundo, a história do juiz William Kossick, e a relevância que sua decedência alemã tomou ao julgar este caso. Apesar de ser inglês, desde sempre nutriu um certo apaixonamento pelo aquilo que vinha do continente, como a adesão ao pensamento racionalista, e gosto pelos contos do Barão de Munchaussen, que coloriram sua infância. Ao deparar-se com o caso de Madeline, lembrou-se do Rei da Lua, personagem dos contos do Barão, o qual tinha a cabeça separada do corpo, como uma alusão à separação entre alma e corpo cartesiana, o qual no pensamento do racionalista francês era algo completamente possível. Sendo assim, tal divórcio deveria ser tratado como a cabeça do Rei da Lua que desejava afastar-se todo o tempo de seu corpo, uma relação, assim como a de Madeline ocm sua barriga, marcada por muitos desentendimentos.
Temos ainda o advogado de Madeline, Pierce Barry, acostumado com processos de divórcio envolvendo abuso sexual, julgados na vara criminal, e não da família, passou a aconselha-la, com o decorrer do julgamneto, a aceitar o divórcio, uma vez que a barriga de Madeline poderia agravar a situação com um processo de abuso sexual. Obrigar a outra pessoa cheirar a genitália do outro, mesmo sem a intenção de, poderia ser enquadrado num crime de abuso sexual culposo.
Portanto, algo irrealizável até então, o juiz da sua sentença a favor da barriga. Suas palavras finais foram transcritas no seguitne trecho:
"Este é um processo que muitos, mesmo não estando na posição de juiz, julgaram-no absurdo por sua natureza inesperada ou incompreensível, e portanto apenas um resultado seria possível: favorável a Senhora Madeline Brosman. No entanto lhes digo que minha compreensão, distinta, autorizada por minha posição, afinal, foi a mim que caiu a decisão sobre tal julgamento, surge numa contra-corrente: julgo sentença favorável à Barriga de Madeline. Este processo irá não apenas acabar de uma vez por todas as discussões da divisão entre corpo em alma, se são inseparáveis ou não, como, assim como nos contos do Barão de Munchaussen, o qual travava uma luta não apenas contra a morte, senão também contra a lógica e a razão. Se tal processo é incompreensível, a razão nos é então nada mais que inútil para uma decisão. Tal como o Barão, não me utilizo da razão para julgar. Julguei com a minha desrazão, e posso já vizualizar as consequencias deste novo modo de pensar. Minha sentença separará os órgãos do organismo, maracará a derrocada da alma sobre o corpo, abrindo precedentes para tornar-lhes, os órgãos, seres de direito. Tal questão nos coloca numa posição até então jamais visitada: é o organismo responsável por seus órgãos? Julgo que um resultado favorável à Barriga de Madeleine só é possível se entendemos que Madeline negligenciou cuidado à sua barriga, e ainda a expos a situações de risco e degradação, havendo sistemáticas situações de assédio. À Madeline, portanto, condeno-a a uma sentença em regime fechado em prisão estadual de segurança mínima por abuso sexual culposo, por 2 anos, assim como a exigência de que durante o período de reclusão, mude seus mal-hábitos, e realize exercícios físicos. É da responsabilidade também de Madeleine o pagamento de uma pensão alimentícia de 50% de seu salário à sua Barriga, sob a ameaça de pena de reclusão, caso os pagamentos não sejam efetivados."
A mídia a princípio não acompanhou tanto o caso, mas o agravamento da situação e seu apelo sensacionalista, o qual sobretudo pelas declarações cada vez mais injuriosas que a barriga de Madeline realizava contra ela, virou um grande tema de discussão, sendo acompanhado com afinco por toda a população, ganhando apelo internacional. Tal repercussão só aumentou frente ao julgamento, quando as palavras finais do juiz foram divulgadas, havendo então cada vez mais processos do tipo: mais barrigas processando os maus-hábitos dos seus donos, que com o tempo passaram e serem chamados de organismo-portador ou termos mais radicais, organismo-privador; assim como organismos passaram a processsar suas barrigas, querendo também divórcio. Mas os problemas aumentaram quando outros órgãos passaram a processar os organismos. Casos de fígados processarem o organismo portador, acusando-os de bebedeira, e exigindo indenização multiplicaram-se pelo mundo. Logo então, órgãos passaram a processar órgãos. Os mais comuns: línguas processavam dentes; instestinos processavam pâncreas; coração processava o cérebro, e este exigia por sua vez, a volta do reconhecimento da representação da alma. A alma, por sua vez não era mais possível; o que outrora já havia sido um sujeito passou a ser muito mais compreendido como um condomínio hábitado por muitos, que nem sempre se entendiam.
A situação se agravou quando relatos doenças auto-imunes revelaram-se como atentados terroristas, ou corações que paravam a fim de justificarem sua importância frente ao funcionamento do organismo, quando não o cérebro que exigia esse reconhecimento e deixava de realizar suas funções propositalmente passaram a ocorrer. Tais casos inicialmente passaram a ser analisados nas varas criminais em alguns países; alguns configuraram homicídio doloso, com penas de reclusão no formal, ou habitar outro organismo-portador/privador de algum prisioneiro. Alguns desses países passaram a criar organismos-portadores/privadores para agruparem órgãos infratores chamados formalmente de organismos-prisionais; informalmente de Frankensteins enjaulados. Mas na maioria dos países, continuou-se a analisar casos que envolviam órgãos enquanto próprios da vara familiar.
A discussão em todos os países se deu exatamente nesse ponto, que com a multiplicação de um quadro de processos envolvendo órgãos e organismos-portadores/privadores, não havia uma vara própria para tais casos, deixando assim os órgãos numa certa "reconhecida informalidade" (Stromberg, 1987, p.325), dada a dificuldade de enquadre em qualquer uma das varas já existentes. Nesse sentido que 32 anos após o caso Madeleine, jurista do mundo todo se reuniram no I Congresso Internacional de Ciências Jurídicas em Glasgow, onde foi proposto a criação de uma vara especial: a vara dos órgãos. Houve bastante divergências, pois algusn juristas alegavam que os órgãos não eram seres de direito, outros que não havia necessidade de uma criação de uma vara desse tipo, pois assim, estaríamos enquadrando todos os processos envolvendo órgãos aí, e lhes negaríamos o direito de julgamentos em outras varas.
A Barriga de Madeleine, agora com um nome próprio, Lorenzo Guttemberg, compareceu ao congresso, desquitada de Madeleine, divulgando seu livro, A luta pelo direito dos órgaos, e em ação política. Foi aí também, em Glasgow, que foi reconhecida a importância para a luta dos órgãos por seus direitos e o pioneirismo do caso Madeleine. Seu discurso foi entremeado por vaias e apalusos calorosos, de organismos e órgãos. Línguas gritavam elogios, enquanto outras chigavam-na veementemente, acusando-a de anarquista e de ataque a moral e os bons costumes.
O I Congresso Internacional de Ciências Jurídicas em Glasgow, não repercutiu como o esperado pelos órgãos, havendo considerações quanto ao caráter planfetário que ganhou o congresso. No entanto, observa-se aí a primeira tentaiva de um plano internacional para a situação legal dos órgãos afim de tirá-los da informalidade legal. Após alguns anos, foi a Itália que primeiro transformou seu sistema judiciário para a criação dessa vara. Os demais países foram transformando-se aos poucos, alguns ainda não a incorporaram. Outros que o incorporaram, já criaram tal vara bastante diferente do projeto inicial proposto em Glasgow.
Outras tentativas aconteceram, mas nenhuma mais importante que a de Rotterdã. Apenas cerca de cinquenta anos após o caso Madeline que em Roterdã foi realizada a primeira Declaração Universal dos Direitos dos Òrgãos. Dentre os principais tópicos, temos:
I. Todo órgão é igual em seus direitos, sendo todos eles seres de direito;
II. Todo órgão é livre para participar ou não de um organismo-portador;
III. Todo órgão tem direito a um nome próprio que o diferencie de outro órgão, se assim o desejar;
IV. Todo órgão tem direito de exercer suas atividades livremente, de acordo ou não com o organismo-portador;
V. Todo órgão tem o direito de habitar um organismo, se assim for de acordo com a comunidade de órgãos que o habitam;
Estes cinco pontos são os mais fundamentais. Todo eles foram desenvolvidos e discutidos em uma luta política formalmente encontrada em cinquenta anos desde o caso Madeleine. A declaração ainda é muito polêmica, uma vez que há organismos-portadores/privadores não querem reconhecê-la, assim como grupos de órgãos, chamados informalmente de anarquistas, acusam-na de burocratizar os órgãos, negando sua essência de órgãos, tornando-os nada mais que outros organismos menores.
Por fim, é nesta situação que nos encontramos hoje, pendendo ora para a reconstituição do organismo portador como o único ser de direito, ora para destruição do pensar racional e o espedaçamento do organismo.